sábado, 11 de dezembro de 2010

Estações.

- Agora é a minha vez! - exclamou o Inverno agressivamente.
O Outono levantou as sobrancelhas e lançou-lhe um olhar superior. - Não me parece. Já olhaste para o calendário?
- Até parece que era a primeira vez... E com este frio, chegou a minha altura de certeza!
- Esqueces-te que essa é a minha melhor característica, - respondeu o Outono, afastando os cabelos ruivos que insistiam em cair-lhe sobre os olhos - ao princípio sou morno e no fim gelado.
- Este ano estás a exagerar. Está na altura de trocarmos de lugares.
O Outono suspirou. O Inverno tinha uma mentalidade demasiado infantil e egoísta.
- Muito bem. Troco de lugar contigo assim que a Primavera ceder o Hemisfério Sul ao Verão. - Anunciou com um sorriso vitorioso.
- Vou falar com ela, então. - respondeu o outro, para espanto dele.

O caminho até junto da Primavera não foi fácil para o Inverno. O Verão estava próximo e o calor começava a fazer-se sentir. No entanto, ele tentou cobrir a pele ao máximo, com medo de que o sol lhe roubasse a palidez mortal.
Ela viu-o de uma grande distância e acenou-lhe entusiasticamente. Ele também reparou logo nela, mas teve dificuldade em identificá-la visto que a cor do seu cabelo mudara desde a última vez que a vira, como era costume. Estava de um lavanda suave que brigava ligeiramente com o verde da roupa.
- Inverno! - exclamou ela quando achou que ele estava suficientemente próximo para a ouvir. - Que te traz por cá?
- Olá, Primavera - respondeu ele - como estás?
- Óptima, e tu?
- Com calor... Muito calor.
Ela riu-se e correu para o abraçar. A Primavera era a mais simpática das estações, apesar de inevitavelmente acabar por molhar toda a gente.
- Não me respondeste. Afinal que estás aqui a fazer? Não acredito que tenhas vindo só para me visitar.
- Oh... Vim só dar uma voltita ao mundo, sabes como é. - Ela riu-se. - Não achas que estás a dar um bocado de calor a mais a esta gente?
- Sou mesmo assim, querido. Até parece que não sabes. Perto de ti sou fria, perto do Verão sou quente. Quando estou sozinha sou... refrescante. - Riu-se outra vez. Ele sorriu.
- Mesmo assim... Isto a mim já me parece Verão.
- Tudo o que seja para cima de 20º para ti é sempre Verão. Anda, vamos beber qualquer coisa. - Levou-o para uma varanda com vista para o recife de coral da Austrália e entregou-lhe um sumo qualquer fresco.
- Não sei como aguentas isto - comentou ele com um suspiro. Começava a perder as esperanças.
- Não sou como tu, meu querido. Não sou só feita de gelo, como tu. - Riu-se. - A sério, os teus olhos parecem neve, com essa cor tão clara. Mas o que te deu para embirrares tanto com as minhas temperaturas?
Ele agitou-se desconfortavelmente na cadeira. Sabia que provavelmente não conseguiria nada daquele encontro... A menos que tivesse qualquer coisa para trocar. Um negócio! A Primavera adorava negócios, principalmente se a fizessem sentir esperta.
- Vim propor-te uma troca. - Passou a mão pelo cabelo. - O Outono só me deixa ocupar o lugar dele mais cedo se o Verão também te substituir. O que proponho é dar-te todas as flores de Inverno este ano em troca de uma substituição antecipada.
Ela riu-se. Ele não pôde deixar de pensar que ela se ria demais.
- Todas as flores de Inverno em troca de uns dias?
- Isso.
Ela estendeu-lhe a mão. - Negócio fechado! Agora não te esqueças do prometido!
- Claro que não - respondeu ele, apertando-lhe a mão. - Vais ter as tuas flores quando a altura chegar. Vai ser a Primavera mais florida de sempre.
- E o Inverno mais cinzento... - murmurou ela.
- É suposto - respondeu ele - sou o Inverno. Devo ser gelado, depressivo e odiado. É o meu papel.
- Há muita gente que gosta de ti - disse a Primavera.
- São do contra.
Ela riu-se. - E tu também o és. Agora trata de ir buscar o Verão se queres o nosso acordo realizado.
- O quê? Não podes ir tu? Sabes como somos incompatíveis...
- Não sejas assim. És perfeitamente capaz de lá ir. Ele nem está longe...
- Precisamente! - exclamou ele - Ele ainda não está aqui e já estou assim! Se me aproximar realmente dele é muito pior!
- Não faças birras - disse a Primavera a rir-se. - É num instante.
O Inverno fez uma careta. Detestava quando a Primavera afirmava que ele fazia birras. Levantou-se. - Eu vou lá, já que nem isso és capaz de fazer, apesar da minha generosidade para contigo. Mas falas tu com ele. Só lhe vou dizer para ir ter contigo.
- Por mim está bem.
Ele foi-se embora, caminhando lentamente devido ao calor. Sentia-se gozado.

Encontrou o Verão instalado numa praia tropical. Estava deitado numa espreguiçadeira com uma limonada na mão. Apesar de ainda faltar algum tempo para as temperaturas mais altas, estava fortemente bronzeado e a sua pele brilhava ao sol. O Inverno aproximou-se discretamente, incapaz de prever a reacção do Verão à sua chegada. No entanto, ainda estava a uns passos de distância quando o outro deu por ele.
- Inverno!
- Verão... Olá.
- Estás bom? - perguntou o outro. - Senta-te aí! - apontou para outra espreguiçadeira. O Inverno sentou-se na ponta. - Que fazes por aqui? Vieste apanhar umas ondas?
- Não... - começou o Inverno.
- A Primavera este ano está inspirada! - exclamou o Verão, afastando uma madeixa loira da testa. - Temperaturas quase decentes, ondas altas, flores belíssimas...! Meses adoráveis. Só não gosto mais dela por razões óbvias: é a que vem antes de mim. De facto, a única estação da qual poderia gostar realmente és tu, mas estás sempre distante...
- Pois. Olha...
- Mas enfim - interrompeu o Verão. - É bom ver-te quando posso. Meu deus, não acredito que andas de cachecol! Tira isso, homem! Estão quase 30º!
- Estou bem - disse o Inverno num tom muito mais alto. - Preciso é que me ouças.
O Verão fez um ar espantado. - O que é se passa? Algum problema? É com o Outono? O que é que ele tem? Eu sei que sempre disse todas aquelas coisas acerca dele, mas não foi por mal, é só a competição típica, sabes como é, por eu lhe ter de ceder o lugar e tudo isso...
- Não é nada disso - disse o Inverno no mesmo tom. - Não aconteceu nada. A Primavera é que quer que vás falar com ela. - Começava a sentir um enorme desconforto devido ao calor. Passou a mão pela testa, que achou que estava a arder.
- Ah - respondeu o Verão - Ainda bem que não aconteceu nada. Seria muito mau para o equilíbrio ambiental e isso. A Primavera, certo. E o que é que ela quer? Mais um daqueles negóciozinhos dela? É incrível, não tem juízo nenhum, sempre a tentar fazer troquinhas e alterar a natureza das coisas...
- Quer trocar contigo mais cedo.
- Quer... O quê?
- Trocar. Contigo. Mais. Cedo. E agora vou embora que já fiz mais do que devia. - Levantou-se e começou a afastar-se.
- Espera! - exclamou o Verão atrás dele, mas ele ignorou-o. Sentia que o seu corpo se desfazeria em pó se continuasse a aguentar aquele calor.

- Pronto - disse o Inverno. - Já está.
- Não é justo! Eu não ganhei nada com isto! - queixou-se o Outono.
- Impuseste-me uma condição e eu cumpri-a. Não tenho culpa que pensasses que não era capaz. Fui e por isso mereço o que te pedi.
O Outono suspirou. Acabava por sair sempre prejudicado. A Primavera, mesmo que as coisas não corressem bem para o seu lado, acreditava que corriam porque achava sempre que era a mais esperta; o Verão, com a sua atitude arrogante, nem reparava nos outros e levava tudo à sua frente e o Inverno era obstinado e acabava por conseguir o que queria, mesmo que para isso tivesse de chatear toda a gente.
- Outono...? - murmurou o Inverno.
- Sim?
- Agarra na Primavera e vai passear. Sim?


Comecei a escrever isto há um ano (quando ainda não era Inverno mas definitivamente já parecia), larguei-o e hoje peguei nele e acabei-o. Tenho milhões de textos por acabar ._.

2 comentários:

Quem quer saber? disse...

Prometo que um dia respondo a tua carta em inglês. :D

Sim, nunca mais tive nenhuma ideia para escrever no meu blog.

Quem quer saber? disse...

Não consigo ler isto :S