quarta-feira, 1 de junho de 2011

Ari

Para quem embirrar com o itálico, o texto também está no meu LiveJournal. (E sim, é grande. Quatro páginas no Word.)

A Baía Vermelha fora, em tempos, a praia ideal para famílias. O sítio onde todos os pais prometiam levar os filhos no Verão se eles se portassem bem durante o resto do ano. As casas da zona eram caras e três hotéis de vários andares dominavam a vista da povoação. Durante cinco anos, o turismo dominou a economia da zona. Obviamente, uma das qualidades óbvias da baía é que era agradável não só no Verão, como no resto do tempo, graças ao aquecimento. Era perfeita. De acordo com muita gente, um milagre da tecnologia.
No entanto, essa mesma tecnologia desenvolveu-se e foi possível a construção da Baía Azul, que tinha uma localização muito melhor. Era virada a sul e portanto dominada pelo sol e para aproveitarem este facto, tinha uma cobertura que se podia tornar transparente em certas zonas. Utilizava também o calor do sol como aquecimento e por isso tinha um sistema muito mais estável e menos arriscado. Outra qualidade era o facto de ser muitíssimo maior e numa zona com acesso mais facilitado. Era impossível para a Baía Vermelha concorrer com tal oponente. Foi perdendo gradualmente a popularidade, até que um grupo de cientistas a inspeccinou e declarou perigosa. Aí o portão que dava acesso às escadinhas escavadas na falésia que levavam à baía foi trancado e ganhou um sinal a dizer "FECHADO".
Mesmo depois de encerrada, ninguém tentou travar os mecanismos que a mantinham aquecida, porque não consumiam energia utilizável de outra forma. Assim, a baía continuou igual ao longo dos tempos, como se estivesse pronta para ser reaberta a qualquer momento.

A Ariana parou junto à vedação, a olhar para baixo. Estava na berma da falésia - do lado de lá era uma descida íngreme com areia e rochas. À direita, no entanto, estavam as escadas, que pareciam estar a ficar cada vez mais irregulares ao longo do tempo e que acabavam na pequena extensão de areia, lá em baixo. Outra qualidade da Baía Azul em relação àquela é que não tinha uma descida enorme. Na opinião da Ariana, esse sempre fora o maior defeito da vermelha.
Depois da areia, onde começava o mar, estava a "gruta".
Ela saltou o portão. Não era difícil e, de qualquer modo, já tinha uns anos de prática. Começou a descer as escadas mais devagar do que gostaria porque estavam cobertas de areia e tinha medo de escorregar. Parou a meio do caminho, para olhar para o interior da gruta. Estava tudo igual. Suspirou. Desde de manhã que estava com a sensação de que alguma coisa não iria estar bem.
Chegou à praia propriamente dita e atirou com a mala para o chão. Estava um dia bonito. Não havia ninguém à volta - os outros estavam atrasados. Ela espreguiçou-se e tirou o vestido, enfiando-o para dentro da mala. Ajeitou o fato de banho, que conseguia entortar-se sempre de maneiras esquisitas. Provavelmente precisava de um novo. O corpo dela tinha mudado bastante desde que o comprara.
Deixou a mala junto a uma rocha. Ninguém ia lá abaixo, de qualquer modo. Avançou pela areia, devagar, olhando em volta. Passara quase um ano desde a última vez que ali viera, mas nada tinha mudado. Era estranho.
Entrou na gruta. A água estava morna, como sempre, e dava-lhe pelos tornozelos. Tinha um tom avermelhado e um bocado sinistro, que se devia à fonte de aquecimento: lava que passava eternamente por tubos transparentes presos no tecto e paredes da gruta. Debaixo de água havia mais lava, cuidadosamente contida numa câmara com a área da gruta que estava coberta por uma camada de areia. Era essa lava que aquecia a água. A lava dos tubos transparentes servia de aquecimento do ar, iluminação e, obviamente, decoração. A gruta tinha sido construída com blocos de rocha, de forma a ter uma aparência natural, quando era tão artificial. De facto, era mais um túnel que uma gruta, porque tinha uma abertura em cada extremo. A profundidade da água era mínima. Só perto do fim da gruta é que chegava a mais de um metro; até lá, raramente passava dos joelhos de uma pessoa de altura média.
Junto à parede esquerda havia um caminho de rocha, acima do nível da água e, mais ou menos a metade do comprimento da gruta, estava uma porta. Foi para essa zona que a Ariana se dirigiu, e sentou-se no chão, com as costas encostadas à rocha do caminho, muito perto da porta. Fechou os olhos e concentrou-se no som da ondulação.
A porta abriu-se subitamente e com violência a mais, mas ela não se assustou. Já o esperava. Abriu os olhos.
Dois rapazes, quase da mesma altura, estavam a olhar para ela. Estavam os dois em calções de banho, mas um tinha uns bastante curtos, estilo natação, e o outro tinha uns que lhe chegavam aos joelhos. Também tinham penteados completamente diferentes: o primeiro tinha o cabelo curto e escuro, e o outro cabelo loiro e pelos ombros. Mas sorriram-lhe os dois de maneira igual. Ela sorriu de volta.
"Estão atrasados," mumurou, enquanto eles fechavam a porta.
"Desculpa," disse o loiro. "Tive uma festa de família."
Sentaram-se junto a ela, um de cada lado, o moreno à direita e o loiro à esquerda, como sempre tinham feito. Por momentos ela quase acreditou que nada tinha mudado.
"Estás diferente," disse o moreno. "Aliás, vocês os dois estão. Só eu é que não mudei."
"Não estou assim tanto," disse o loiro. "Só parei de cortar o cabelo - pelos vistos cresce bastante depressa. Aqui a Ariana é que mudou muito..."
Apesar da luz modificar as cores, ela reparou que ele parecia ter corado. Não o estranhou. Em menos de um ano tinha passado de uma miúda magra de mais a uma rapariga quase adulta, magra mas com curvas notórias e nos sítios certos e o cabelo dela tinha passado de baço a um vermelho vivo, que ela nunca deixava crescer demasiado e mantinha super arranjado. Tinha, sem dúvida, começado a preocupar-se mais com a aparência, mas dava a ideia de que não era necessário, a aparência parecia cuidar de si própria sozinha. Tinha um aspecto fantástico. Nem aos amigos de infância isso poderia passar despercebido.
"Oh, não é nada de especial," disse ela. "Em essência continuo a mesma pessoa..."
E até isso era mentira. Ela tinha mudado muito, demasiado. Um ano lectivo numa escola nova tinha tido um efeito incrível. Tinha passado de tímida a popular, de influenciável a autoritária, de distraída a estudiosa. Achava que era uma pessoa melhor durante a maior parte do tempo mas naquele momento, confrontada com os dois melhores amigos que alguma vez tivera, sentia-se estranha. Quase impura ou infiel.
Acabaram por ficar em silêncio, a ouvir as ondas. De vez em quando, passava uma mais alta que lhes molhava o queixo.
Eles costumavam fazer aquilo sempre, dantes. Quase todas as semanas, especialmente se o tempo estava bom, escapavam-se para a baía e sentavam-se ali durante horas, sem fazer nada, falando de vez em quando, até verem o sol pôr-se na abertura da baía. Davam-se tão bem que não precisavam de preencher todos os momentos juntos com palavras. Podiam estar assim, em silêncio, sem se sentirem esquisitos. Era perfeito.
Mas depois tinham tido de ir para a escola secundária. E, virada para o turismo como a vila deles era, não havia nenhuma ali. Tiveram de se inscrever em escolas mais longe e não conseguiram ficar na mesma, acontecimento comum para as pessoas ali da zona. Ela tinha ido viver para casa de uns tios, e um dos rapazes também tinha ficado em casa de outra pessoa qualquer. Por isso aquela era a primeira vez que eles se viam desde o início do ano lectivo. E no ano seguinte ia de certeza ser pior... Com os exames eles só iriam poder voltar mais tarde. Ela temia que um dia alguem resolvesse não voltar, passar as férias de verão noutro sítio qualquer. Temia acima de tudo ser ela essa pessoa.
Porque apesar de estarem ali os três, como antigamente, muita coisa tinha mudado. E ela tinha a certeza de que nunca iria voltar ao que era, era uma daquelas coisas que quando perdidas nunca são recuperadas...
Sentia-se desconfortável. Parecia-lhe que era demasiado feminina e que isso estava a formar uma divisória invisível entre ela e eles.
O rapaz moreno começou a falar. Talvez se tivesse formado uma aura de constrangimento.
"Mas contem lá... Como foi o 10º ano?"
O rapaz loiro bocejou e esticou as pernas. "Uma seca," respondeu. "Mas houve coisas interessantes. E tu, Ariana?" Piscou um olho. "Namorados?"
"Não!," respondeu ela. "Não. Nada disso. Alguns amigos só, nada de especial. Ninguém muito próximo. E nevou imenso no Inverno..."
"A sério? Que fixe," disse o moreno.
"Não é assim tanto. Quando neva na cidade fica tudo nojento. A neve transforma-se em lama num instante e por isso as ruas ficam cobertas de uma mistela castanha."
Ela lembrava-se de uma vez estar a chegar a casa e ter escorregado na neve e caído sentada. Tinha ficado nojenta, claro, e tinha tido de pousar as mãos na substância suja e gelada para se levantar. Ao lado do sítio onde tinha pousado a mão direita, estava uma borboleta branca, obviamente morta. Por qualquer razão essa imagem tinha-lhe ficado na cabeça, a mão dela (sem luvas porque tinha saído à pressa de casa) e o insecto morto ao lado. Abanou a cabeça para afastar o pensamento e apercebeu-se que o rapaz moreno estava a contar uma história qualquer de futebol passada na escola nova. Fez de conta que ouvia.

Ficaram até ao pôr-do-sol, mas ela tinha a sensação de que era mais por tradição que outra coisa. Eles tornaram a ir pela porta, que ia dar a uma casa de máquinas que administrava a Baía Vermelha. Era uma espécie de moinho de água, que utilizava a força da ondulação para renovar a lava, impedindo que arrefecesse e solidificasse. Essa sala tinha outra saída perto do centro da vila.
Ela tirou da mala uma toalha com que se secou e tornou a enfiar o vestido. Subiu as escadas, saltou o portão e caminhou até casa, sem conseguir deixar de pensar no dia. Apercebeu-se de que a sensação de que tinha tido estava correcta - havia alguma coisa que não estava bem. E estava convencida de que era ela.
Quando chegou a casa, os pais dela não estavam. Não estranhou - eles trabalhavam até tarde, mesmo no Verão. Mas instalada na sala dela, com os pés em cima da mesinha em frente ao sofá e a beber café, estava uma rapariga com o cabelo pintado de loiro e o ar aborrecido de quem tinha passado muito tempo à espera.


Espero poder actualizar isto mais vezes em breve...

8 comentários:

JMSF disse...

e para quem embirrar com o itálico e com roxo/lilás/rosa? D:

LA disse...

nao sabia que ainda actualizas isto :D decidi voltar (vamos ver durante quanto tempo -.-)

mais logo venho cuscar o post como deve ser :) xx

LA disse...

A minha franja ja anda meio desaparecida pra ser sincera. Mas pronto, post inesperado em que sentido? =)

LA disse...

Nao te preocupes, ainda nao tive tempo de ler o teu tambem e tambem só escrevi porcaria XD

ainda tou curiosa pelo comentario sobre o tal post inesperado!

LA disse...

Ahhh nesse sentido de coisas mais pro lado negro, eu tenho outro blog mas esta privado, achei que estava demasiado estranho. Eu vou meter com password e mando-te pro email, porque sinceramente anda negativo e um bocado pessoal.

Mas sim, tu pra mim tas sempre num lugar diferente e nos perdemos o contacto porque eu nunca vou ao msn e sinceramente acho que essa e a unica maneira que poderiamos falar com esta distancia toda. Isto de emails chega a uma altura que fica estranho tambem nao sei. E duvidas ate porque? :O

LA disse...

Opa é sem duvida mais pessoal, daí nao estar neste blog. Aquele de momento ta mais para desabafos do que qualquer outra coisa. De qualquer forma sim, mais daqui a nada mando-te email.

Em relação aos amigos mais próximos.. eu suponho que tenhas amigos mais próximos que eu tambem. Eu acho que de momento só ha tres pessoas mais proximas, a Ligia, o Miguel e obviamente o Jeff (ele nao conta de qualquer maneira). Mas isso é porque falo com a Ligia muito regularmente e com o Miguel é quase diariamente, especialmente via skype. Entao acaba por ser diferente porque eles acabam por estar sempre mais actualizados sobre a minha vida, mas isso não quer dizer de todo que tu não sejas uma amiga chegada e muito importante. Longe disso!

Ps. Ainda nao li os teus posts e os meus pais vêm hoje *_* por isso deve ser ainda mais dificil para ler agora.

LA disse...

Acabei de te adicionar as contactos que podem ler. Ps. nao ligues pro nome, ando a ler Alice in Wonderland, nao me conseguia lembrar de mais nada XD

LA disse...

Eu nao tenho nada contra olhos azuis XD e tambem nao sabia que tinhas um :o

yay estou de volta a ficção sem sentido algum! haha