Estou farta, disse ela.
Só assim. Estou farta.
Com duas palavras ela destruíu tudo, retirou o significado a tantas centenas de palavras que tínhamos proferido, profanou memórias, envenenou sonhos e atirou-me de encontro a uma parede imaginária bem sólida, deixando-me marcas e cicatrizes para que não me esquecesse nunca daquelas duas palavras, duras e geladas, como se fossem pedras de gelo instaladas debaixo da minha pele.
Petrifiquei, incapaz de mexer, tantas sensações ao mesmo tempo, só queria que parassem, só queria que ela me agarrasse nos ombros e me abanasse, que me acordasse, porque aquilo não podia ser real, não era possível, não.
Vou-me embora daqui a pouco, disse ela, o meu irmão vem-me buscar, e apontou para as malas e toda a tralha espalhada no chão. Já tenho tudo pronto, como podes ver, não preciso que me ajudes.
Não ia ajudar, murmurei eu, mas a minha voz quase não saía, a minha garganta parecia arranhada (as pedras de gelo, as palavras dela chegaram a todo lado, o meu corpo estava subjugado, fraco, dorido).
Que disseste?, perguntou ela, levantando os olhos para mim, como se estivéssemos a discutir outra coisa qualquer, pouco importante, uma ida ao cinema, um jogo de póquer, uma dessas coisas que fazemos nos tempos livres, fazíamos, ela foi-se embora e já não fazemos nada disso, acabou, Estou farta, Estou farta, Estou farta, Vou-me embora daqui a pouco, o meu irmão vem-me buscar.
Nada, sussurrei eu. Nada. Boa viagem.
Saí.
domingo, 1 de agosto de 2010
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